A Defensoria Pública na rebelião em Lucélia

Amigos, ao invés de um artigo ou texto jurídico, hoje trago o relato de uma atuação institucional.
Trato do incidente na Penitenciária de Lucélia-SP, em que três defensores públicos e dezenas de presos foram mantidos como reféns durante rebelião que se iniciou na tarde de 26/4 (quinta-feira), findando-se na sexta, 27/4, pouco após o meio dia.
No exercício de minhas funções como Defensor Público, juntamente com outros colegas, estive por vinte horas na referida penitenciária participando das negociações com os detentos, e gostaria de transmitir um pouco do que houve.
Em primeiro lugar, diversamente do que tem sido noticiado, os defensores mantidos como reféns não cometeram qualquer erro ou ato de imprudência. São defensores experientes, corajosos, mas jamais irresponsáveis. Tenta-se culpá-los pelo que houve, o que é um absurdo. Agiram como centenas de outros colegas fazem diariamente, de forma séria e competente, e se ficam expostos a riscos, isso é natural e inerente à função – até porque não sei se outras carreiras enfrentam perigos semelhantes para expor as mazelas do sistema prisional, indo além de meras visitas burocráticas, cafezinhos e risos com diretores de penitenciária. O risco é inevitável, e não é nossa culpa. A diferença é que não nos acovardamos. Mas voltemos ao caso.
Logo que cheguei à penitenciária tive que enfrentar o risco de invasão. Parte do comando local das forças de segurança pensava em enviar o choque para tomar a prisão, mas me opus. Fiz contatos com a administração superior da Defensoria Pública, e com secretários de Estado, e felizmente foi vetada qualquer invasão. A partir dali (fim da tarde de quinta), os negociadores da PM intensificaram seu trabalho. Pude acompanhá-los até os pavilhões (com os policiais fazendo questão de zelar pela minha integridade) para presenciar as negociações, sendo que já deixo registrado o elogio aos policiais militares negociadores da região de Lucélia pelo excelente trabalho, realmente excepcional.
Infelizmente, não avançamos, e a noite se aprofundou. Houve a chegada do GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) da Polícia Militar, vindo da capital, e que assumiu as negociações. Novamente, um trabalho de excelência. A essa hora, os colegas representantes da Defensoria Pública-Geral já haviam chegado e tomado à frente no meu lugar em nome de nossa Instituição. A madrugada passou, “dormi” umas duas horas em meu carro, e retornei ao interior da penitenciária. No início da manhã, voltamos com o GATE para o pavilhão, para acompanhar e participar das negociações. E aí, felizmente as coisas avançaram, e ao longo da manhã de sexta (27/4), os reféns foram gradativamente liberados.
Felizmente, tudo correu bem. Deixo meus parabéns à Polícia Militar do Estado de São Paulo pelo brilhante trabalho dos negociadores da região de Lucélia e do GATE, bem como aos colegas que participaram do processo, auxiliando para que atingíssemos um desfecho favorável. Também cumprimento os amigos que, serena e destemidamente, enfrentaram a privação de liberdade, sendo também fundamentais para a resolução da questão.
Quanto à nossa atuação, estejam certos de que os eventos de Lucélia não mudam nada: seguimos na luta por um país menos desigual, contra qualquer tipo de opressão, olhando pelos esquecidos, por aqueles que são excluídos da sociedade desde o ventre materno.
Não sairemos das prisões. Se o Estado é contra o crime e a violência, que cumpra a Lei de Execução e a Constituição. Estaremos sempre de olho, por perto. E se nos acham incômodos, ótimo.
Bruno Bortolucci Baghim é Defensor Público do Estado em São Paulo